segunda-feira, 5 de outubro de 2020
As turbulências no mercado financeiro nos últimos meses, provocadas pelas incertezas fiscais e pelos temores de uma nova onda da Covid-19, reduziram o apetite das empresas pela bolsa de valores. Companhias que já planejavam sua estreia no mercado de capitais - como Compass, BR Partners e Caixa Seguridade - adiaram ou desistiram do chamado IPO (a oferta pública inicial de ações).
Apesar dessa desaceleração, o ano viu crescer a entrada das empresas na bolsa: de janeiro a 1º de setembro, 12 empresas fizeram sua entrada na bolsa de valores brasileira, a B3 - mais o que dobro da quantidade acumulada em todo o ano de 2019, quando foram apenas cinco ofertas.
Além das empresas que já se lançaram no mercado este ano, há uma fila de 41 companhias que ainda aguardam análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Essa lista, no entanto, chegou a ter mais de 50 empresas.
Panorama do IPO no Brasil — Foto: Economia G1
Uma das principais variáveis que impulsionaram as empresas em direção à bolsa foi a queda na taxa de juros: de maio de 2019 até hoje, a Selic foi cortada de 6,5% para 2% ao ano. Isso porque a redução dos juros reduz a atratividade da renda fixa, e é um incentivo para que investidores busquem mais a bolsa de valores.
"Antes da pandemia, a gente já tinha uma série de companhias protocoladas na CVM [para abertura de capital]. O que mudou este ano foi a taxa de juros que tornou a operação mais atrativa. Com o rebalanceamento de portfólios, a renda variável se tornou mais interessante", explicou Leonardo Resende, gerente de relacionamento com empresas da B3.
Resende vê também um maior potencial de crescimento na quantidade de empresas listadas na B3. No segundo semestre, explicou, as companhias voltaram a ser precificadas como eram antes da crise — ou seja, no final de 2019.
"Há setores com mais apetite para mercado, como construção civil, varejo, serviços financeiros e tecnologia. Tudo varia de acordo com a demanda do mercado", disse.
Entre os IPOs destacados pelo gerente está o da varejista Petz (PETZ3), que atraiu, no total, 39.168 investidores (entre pessoas físicas, fundos, clubes de investimento, investidores estrangeiros e demais agentes do mercado) que movimentaram R$ 3,03 bilhões, de acordo com o documento divulgado pela companhia.
As ações da varejista de produtos para pets, que saíram a R$ 13,75 na estreia, subiram 21,8% em seu primeiro dia de primeiro dia de negociação na bolsa (9 de setembro), fechando a R$ 16,75. Desde então, no entanto, o papel perdeu valor: ao final do pregão de sexta (2), o papel da varejista era vendido a R$ 14,52.
A construtora Moura Dubeux (MDNE3) teve desempenho mais negativo. A ação da empresa, que saiu a R$ 19 no IPO, encerrou a última sexta-feira valendo pouco mais da metade: R$ 10,06.
Setores mais populares na bolsa — Foto: Economia G1
As turbulências recentes deixaram o cenário para as aberturas de capital mais incerto, mesmo com os juros baixos. De acordo com os especialistas ouvidos pelo G1, além das incertezas externas pelo aumento de casos de Covid-19, o investidor está mais seletivo por dúvidas em relação às contas públicas do Brasil.
"O coronavírus postergou muito a decisão das empresas. Algumas empresas decidiram fazer IPO para reforçar o caixa, enquanto outras decidiram postergar a operação", afirmou Gabriela Mosmann, analista de investimentos da Suno Research.
Na segunda-feira (28), a Compass Gás e Energia, da Cosan, cancelou seu IPO — uma oferta que somaria R$ 5 bilhões. Segundo a empresa, o motivo da desistência foi a deterioração do mercado. Na semana passada, o mesmo aconteceu com BR Partners e Caixa Seguridade.
"Os investidores podem preferir alocar o capital em empresas que já possuem um histórico maior e mais comprovado de entrega de resultados. E em um momento de aumento de volatilidade, como o atual, eles se tornam menos propensos a ancorar ofertas de IPOs", analisou Gabriela.
A analista acrescentou que o alto preço estipulado pelas empresas na oferta é um grande problema para o sucesso dos IPOs atualmente e citou o caso da Compass.
"O mercado estava se propondo a comprar [ações] em uma faixa menor de preço, com valor de mercado por volta dos R$ 16 bilhões. Na faixa de preço estipulada, esse valor ficaria por volta dos R$ 20 bilhões, o que se tornou pouco atrativo para boa parte dos investidores, levando em conta os riscos regulatórios e as incertezas ligadas à empresa", explicou.
Para atrair investidores, algumas empresas revisaram os preços de oferta nas últimas semanas. Entre elas, estão Lavvi, Plano & Plano e Cury, da construtora Cyrela, e a rede de farmácias Pague Menos.